quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Katyn

Na noite de 05 de agosto os são-mateuenses puderam conferir na tela grande uma produção polonesa de cinema, dirigida pelo cineasta Andrzej Wajda, como parte da programação da 18ª Tradycje Polskie. O público no Centro Cultural do CEPE não foi muito grande, mas contou com ilustres presenças, como a da cônsul polonesa Dorotha Barys.
As palavras que a diplomata pronunciou antes da exibição de Katyn serviram para a plateia poder se preparar emocionalmente para os dolorosos 118 minutos que viriam a seguir: “Não é um filme otimista”, ela disse. De fato, o público permaneceu em silêncio após o fim da projeção, tamanha a violência do soco no estômago que o filme promove.
Baseado em um episódio real ocorrido durante a II Guerra, a produção trata do brutal massacre de cerca de 20 mil prisioneiros poloneses, ocorrido nas florestas da cidade de Katyn, quando a Polônia se achava invadida tanto pelos alemães como pelos soviéticos, em 1940.
A produção acompanha histórias paralelas de vários personagens ligados às vítimas, como a da mulher de um oficial que mantém esperanças de que o marido desaparecido regresse vivo; do militar que escapa da morte, mas é obrigado a conviver com a terrível verdade sobre a tragédia, ou da senhora de alta classe que, após a invasão, se vê pobre e desconsolada, enquanto sua antiga empregada doméstica russa prospera após o marido ser nomeado funcionário do novo governo.
A cena inicial é emblemática, quando uma multidão de poloneses fugindo dos alemães se depara, sobre uma ponte, com outra multidão de poloneses vindo na direção contrária, fugindo dos soviéticos.
É nesse clima sufocante e de impotência diante de fortes inimigos onde Wajda situa o espectador, sempre inserindo seus personagens em ambientes claustrofóbicos e escuros, e tudo embalado por uma trilha sonora de acordes igualmente sombrios. Os raros momentos de felicidade do filme — como quando um casal de jovens se conhece nas ruas e a moça se encanta pelos gestos românticos e idealistas do rapaz — são interrompidos de forma trágica, como se o experiente cineasta, ainda na ativa aos 83 anos de idade, quisesse mostrar que naquele período sangrento não havia tempo para sonhos. Talvez porque o próprio pai do diretor tenha sido uma das vítimas de Katyn e, durante anos, ele e a mãe aguardaram inutilmente sua volta. Quando souberam da morte, mal puderam cumprir o luto, porque como todos os outros parentes dos fuzilados, tiveram de assumir a falsidade: tanto a Alemanha como a União Soviética negavam a autoria dos crimes, e acusavam-se entre si. Este fato também é retratado no filme, com personagens impedidos de falar abertamente sobre o episódio, sem poder assumir que eram vítimas e sem ao menos saber qual país ordenou as mortes. Dando grandes saltos no tempo, Katyn aborda a vida das personagens desde o início da guerra até após o término do conflito, sem especificar as datas em que os episódios acontecem. E conforme o aviso que a cônsul polonesa deu à plateia antes da projeção no Centro Cultural, o filme termina mostrando, de uma forma bastante crua, todo o terror que os soldados enfrentaram durante as execuções coletivas, quando seus corpos preenchiam imensas covas na florestas. Nessa hora o diretor faz questão de mostrar as mortes de maneira gráfica, sem desviar as lentes dos crânios sendo destruídos por tiros à queima-roupa a que os prisioneiros foram covardemente submetidos.
É este o golpe final que Wajda desfere no espectador, e ainda assim machucando muito menos do que a realidade deve ter feito com ele próprio.



4 comentários:

  1. Mais triste que o filme é saber que algo tão atroz de fato aconteceu.
    Seres humanos são capazes de coisas impossíveis. Algumas - infelizmente - horríveis.

    Beijos mil, Riesemberg.

    ResponderExcluir
  2. É verdade, isso é o mais triste: saber que este é só uma das barbáries cometidas durante a guerra. Obrigado pela visita e pelo comentário!

    ResponderExcluir
  3. Estive na Polônia no ano passado. Em Varsóvia e Cracóvia.

    Na primeira é impressionante o Museu da Reconstrução. Nele a gente vê como a cidade ficou reduzida à nada e o esforço de levantar a cidade outra vez. Visitar o gueto também é uma lição de história.

    Na Cracóvia não há muitos marcos da guerra. Mas fui ao campo de concentração de Auschwitz que fica numa cidadezinha próxima.

    Não é uma experiência para os fracos. O ambiente é nitidamente pesado, os dormitórios são clastrofóbicos e visitar os paredões de fuzilamento e as câmaras de gás e de vácuo, foi algo que me marcou. Acho que o pior foi ver travesseiros e colchões recheados de cabelos humanos no lugar de palha ou algodão.

    Tenho muitas fotos da visita, em todas estou tenso, acho que não consegui sorrir naquele dia.

    Eu quis muito ver este filme, mas acho que passou no Rio no mês em que me mudei. Vou tentar alugar para ver um dia.

    Abraços, Luiz!

    ResponderExcluir
  4. Amigo Rubem, que honra poder contar com seus comentários e sua experiência. Nunca fui à Polônia, mas muita gente da minha cidade vai, e todos falam exatamente o mesmo que você sobre os campos de concentração: um ambiente pesado, cinza, que dá calafrios. As energias daqueles dias de horror permanecem no local, mais de 60 anos depois das atrocidades.

    ResponderExcluir