domingo, 8 de novembro de 2009

A primeira resenha

O escritor Mário Carneiro Jr teve a ousadia de escrever a primeira resenha sobre Grafias Noturnas, publicada em seu blog Biblioteca Mal Assombrada. Segue, abaixo, suas impressões conto a conto.

O Prólogo: A Reunião dá o tom do que virá a seguir, com seu tom de fábula sombria; uma história fechada sobre uma assembléia entre o Diabo e seus súditos, e que talvez se passe no mesmo universo dos outros contos (talvez). Um começo tão bacana gera expectativa, então partimos para o próximo conto esperando por coisa boa.

Felizmente somos atendidos: O Guarda-Chuva é justamente o conto que ficou em segundo lugar no concurso que organizei. Um conto clássico de horror sobre um grupo de amigos que resolve pregar uma peça no amigo certinho. História sutil e elegante. Não faria feio em uma daquelas antologias clássicas que já resenhei aqui na Biblioteca. O final é um calafrio.

A Cápsula do Tempo certamente vai lembrar os leitores do filme Presságio, com Nicolas Cage. Riesemberg teve a idéia antes do filme aparecer, em uma daquelas coincidências que acontecem de vez em quando. Mesmo assim o conto difere por sua abordagem intimista, com uma perspectiva sombria.

A Visão fala sobre um menino cego e sua conversa com um estranho. Um conto tocante, que talvez não seja o mais imprevisível do mundo (ah, convenhamos, a gente adivinha o que vai acontecer várias linhas antes), mas o que importa se o conto emociona do mesmo jeito? Eu apenas dispensaria a "moral da história", que me pareceu desnecessária.

O Botão (aparentemente inspirado no conto Button button, de Richard Matheson) propõe um dilema moral para um casal sem grandes perspectivas. Perfeito e arrepiante!

A Luta do Século é um dos contos que não empolgou; não é ruim, pois um escritor como Riesemberg nunca fica abaixo de um determinado nível de qualidade. Mas não trás nada de novo para os aficionados pelo gênero terror, apoiando sua trama unicamente em um recurso que já foi usado muitas vezes na literatura fantástica (que diabos, eu mesmo já usei em dois contos!). Mas talvez o maior problema seja que, depois de tantos contos quase excelentes, a menor qualidade deste aqui se torna mais evidente.

Mas tudo bem; o conto seguinte (O Balanço, que mostra o diálogo entre um garoto e um velho desconhecido), é bom o bastante para fazer o livro voltar às alturas.

Meu Herói, conto sobre um menino que considera Jesus Cristo o primeiro e maior super-herói de todos os tempos. Bem, confesso que não gostei muito, por razões meramente subjetivas. Já ouvi muitas histórias no estilo antes, e sou meio avesso ao tipo. Mas tenho certeza que a maioria vai gostar.

A Doença do Porco é um conto que me deixou intrigado... Será que o Riesemberg escreveu ela há tempos antes, profetizando uma pandemia, ou simplesmente se inspirou na gripe h1n1 para escrever? Sei lá, só sei que a história deixa um quê de desconforto em vista da verossimilhança. Isso é terror real, caras. Coisa boa.

A Lei de Lavoisier (Aplicada à Arte) é um caso à parte. Não é bom, é transcedental! Perfeito. Poderia figurar em uma antologia entre Ray Bradbury e Guy de Maupassant, que estaria no mesmo nível de qualidade. No conto, um escritor encontra uma maneira de reescrever grandes obras da literatura, sem que ninguém perceba o plágio. Para quem é escritor, a história ganha ares ainda mais deliciosos, pois aborda temas que torturam qualquer candidato à escriba (como o conhecido e irritante plágio involuntário, a falta de compreensão sobre isso por parte de algumas pessoas, etc). Riesemberg estava inspirado pra caramba, pois o desenrolar é recheado de pequenas pérolas, frase realmente ótimas como: "Foi um lapso interessante da mente, no qual nunca havia sequer ouvido falar. Sem conhecer melhor definição para o que sentiu, diria que era um deja vu ao contrário: como se nunca tivesse estado antes naquele lugar, apesar de conhecê-lo muito bem." Enfim, uma idéia genial e original ao extremo, com o melhor final que um escritor poderia imaginar.

Racha é muito bacana. Riesemberg evita o moralismo ao descrever um carro como uma criatura viva, selvagem e impassível, que não se importa com a vida alheia quando deseja competir com um rival. Paradoxalmente com o tema, é um conto recheado de beleza e poesia.

No Bordel, depois da Meia-Noite... é excelente e irônico. Gostaria de fazer um paralelo com outro conto, mas pra quem ler, isso seria o equivalente a um spoiler. Digamos apenas que Riesemberg compensa o erro que cometou em outro conto do livro, cujo tema é semelhante.

Panelas de Ouro é a versão do autor para aquelas típicas lendas folclóricas e "causos" regionais. Quem não gosta de ouvir uma boa história, contada por um tio ou um avo que veio do interior? Pois esse é o clima que esse conto passa, um sabor de nostalgia e infância. E mais alguns calafrios de lambuja.

Atraso na Entrega é legalzinho, uma história sobre um rapaz que recebe um e-mail bastante atrasado, com implicâncias que o assustam. O problema é que, em vista das explicações racionais para o acontecido, a reação do personagem me pareceu meio descabida, exagerada. Ahhh, Riesemberg, estamos chegando ao final do livro, não vá perder o fôlego agora!

A Presa e o Predador é um conto doloroso... Doloroso para aqueles que já foram perseguidos por colegas mais fortes e agressivos (ou seja, que sofreram a infame prática do bullying); é tão real que incomoda. Terror cotidiano e real, que deixa um gosto amargo na boca. Isso é ruim? Não, do ponto de vista literário é ótimo, pois o conto atinge seu objetivo. É claro que nem todos vão gostar da experiência, mas enfim, aqui não é pra gostar mesmo, é pra provocar.

Pessoas de Bem é uma história hilária, sobre um espertalhão que tenta se dar bem às custas de um milionário. O final resultou um tanto "forçado", na minha opinião, mas mesmo assim a ironia é deliciosa.

A Máquina da Alegria, homenagem clara a Ray Bradbury, é outro conto nostálgico recheado de poesia. Mestre Bradbury ficaria orgulhoso se pusesse as mãos nesse aqui.

A Emissora, sobre um motorista solitário que sintoniza uma rádio com músicas desconhecidas, é outro conto das antigas, com elementos sobrenaturais bastante sutis. Tão sutis que talvez sequer tenham acontecido, num recurso literário que muito aprecio.

Gata Rainha é narrado em primeira pessoa na forma de um monólogo. Muito legal, principalmente para quem gosta de gatos e conhece algumas lendas e mitos à respeito dos felinos.

Viva a Morte! é um barato, um sarcasmo tão grande que é impossível não rir do desfecho. Bem feito para aquele principezinho de meia-pataca!

Bem, estamos chegando ao final, e a montanha russa está em rota ascendente faz tempo. Como será que o livro vai terminar? Pois continua subindo, dessa vez de maneira quase vertical: Eu Não Matei Charles Bronson, outro dos contos premiados do autor, é um verdadeiro tapa na cara do leitor (ou melhor, um tiro de espingarda cano duplo). Provocativa como um bom conto de Chuck Palahniuk, acompanhamos a busca por justiça de um homem que foi roubado na calada da noite. Interessante notar que, embora alguns contos anteriores do escritor tivessem preceitos morais bastante evidentes, ele não se faz de rogado quando resolve abandonar qualquer filosofia edificante. Eu Não Matei Charles Bronson é o segundo melhor conto do livro, na opinião deste que vos fala, perdendo por pouco para A Lei de Lavoisier. Em resumo, fecha com chave de ouro este verdadeiro baú de tesouros.

2 comentários:

  1. Olha que resenha mais completa, assim que for possível eu compro ele e faço a minha resenha ;). Quero ler algo do Ray Bradbury também.
    Boa semana!

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  2. Pois tive a ousadia de resenhar meeesmo, rsrs. Parabéns guri, boa sorte com sua obra!

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