Quando eu li o livro
Nosso Lar, há muitos anos, meu lado cinéfilo ficou bastante empolgado com a ideia de ver aquela história no cinema. Pois foi com muita emoção e curiosidade que recebi a notícia, algum tempo atrás, de que o longa seria realmente produzido. Porém, devo confessar que o nome de Wagner de Assis (autor dos "roteiros" de
Xuxa Popstar,
Xuxa Requebra e
Xuxa e os Duendes) como diretor e roteirista sempre pairou como uma grande sombra na minha esperança de sair daí um grande filme. E as primeiras críticas pós-lançamento pareciam confirmar meus medos.
Mas acabo de sair da sessão de
Nosso Lar (lotada, por sinal) e me sinto muito tranquilo e feliz com o resultado. Reconheço que o filme apresenta defeitos, sobre os quais vou comentar abaixo, mas, no geral, seu saldo é extremamente positivo.
Antes de tudo, quero deixar claro que, desde o início da projeção, o espírita que existe dentro de mim entrou em "modo econômico". Ou seja, eu realmente procurei analisar a obra como cinema, sem negar os aspectos que o meu lado emocional poderia pensar em deixar passar.
Logo nos segundos iniciais, os acordes de Philip Glass já me levaram a outra sintonia. Adorei o tema que ele compôs para a trilha. Ela tem grande responsabilidade pelo sucesso do filme, e é muito marcante. Dificilmente alguém sai do cinema sem a música ainda ecoando nos ouvidos.
O roteiro mostra a transformação de um famoso e duro médico, André Luiz, em uma pessoa humilde e perseverante — só que esta vem depois da morte dele. De início, o protagonista passa alguns anos no Umbral — uma assustadora região purgatorial, que foi muito bem apresentada no filme.
Se há algo para reclamar destas cenas iniciais, é do trabalho de certa atriz (uma quase figurante, na verdade) que atua exageradamente, zombando de André. Mas vá lá, isso não tem grande importância.
Intercaladas com as cenas no Umbral, há outras que mostram flashbacks da vida do protagonista, onde ficamos sabendo que, apesar de médico dedicado e pai de família, ele tinha seus esqueletos no armário. Nada tão grave para a época: vida boêmia, bebida, fumo, má vontade para atender pacientes fora de hora, alguma dureza no tratamento à esposa e filhos...
No Umbral, André passa por um processo de degeneração que merece aplausos. Logo ele está extremamente magro, com longas barbas e exausto, e é quando ele finalmente pede ajuda a Deus e é resgatado por uma equipe de espíritos de luz. O fim dessa sequência me incomodou novamente um pouco e, pasmem, a culpa é de alguns maus figurantes. E esse defeito será recorrente.
Tal início é uma boa amostra de como será o resto do filme, apesar de aí os cenários mudarem completamente: daquela tenebrosa região, o protagonista é levado até a magnífica cidade espiritual do título. É quando os efeitos especiais se fazem mais visíveis, e não posso dizer que os achei fracos. Talvez eles não sejam tão inovadores e surpreendentes para os padrões de Hollywood, mas em nenhum momento me decepcionaram.
A mistura de trilha sonora grandiosa e bons efeitos não é novidade alguma, mesmo para quem ainda não assistiu ao filme, pois foram muito noticiados. Eu só quero reforçar que eu REALMENTE gostei de ambos. Alguns críticos disseram que os efeitos eram fracos e a trilha era piegas — mas de fato, eu os apreciei!
Outra crítica que ouvi muito por aí foi com relação ao elenco. Mas sinceramente, neste aspecto só vi problemas com aqueles papéis menores, como já mencionei. Renato Pietro faz um bom trabalho no papel de André Luiz, assim como Fernando Alves Pinto (Lísias), Rosane Mulholland (Eloísa) e todos os globais (Werner Schünemann, Othon Bastos, Ana Rosa, Paulo Goulart, Chica Xavier). O negócio é que nenhum deles se arrisca a uma interpretação mais corajosa ou sutil, o que não é um grande problema, em minha opinião.
Na verdade, uma característica da produção parece ser a falta de sutileza de Wagner de Assis, que como diretor e roteirista, prefere não arriscar a entregar algo incompreensível para o espectador. Tudo é devidamente explicado, e creio que foi aí que pegou mal na opinião dos críticos. Ultimamente o cinema tem proporcionado belos trabalhos de atuação, em que um simples piscar de olhos pode indicar algo ao público — mas não vemos este estilo de trabalho em
Nosso Lar. Também pudera: Renato Pietro nunca teve experiência no cinema — apenas no teatro, onde cada sussurro deve ser gritado, e cada expressão facial deve ser exagerada, a fim de que os espectadores da última fila possam compreender a peça. E se o protagonista segue por esse rumo, os outros atores devem fazer o mesmo processo, para não haver um contraste negativo, certo?
E por falar em contraste negativo, outra coisa que notei foi a relativa pobreza dos cenários interiores, em oposição à beleza plástica dos maravilhosos exteriores. Mas como eu disse, essa fraqueza é "relativa", já que eles só ficam feios quando comparados com o lado de fora das edificações. E a observação só vale para as casas da cidade espiritual, já que na Terra, a casa de André Luiz é muito convincente como um lar dos anos 30.
Mas voltando ao didatismo de Wagner de Assis: creio que, apesar de tudo, a maioria das suas explicações não é descartável. Ao menos no caso daquelas que envolvem ensinamentos sobre a doutrina espírita. Há poucas cenas e diálogos realmente desnecessários, como aquela do companheiro de quarto a quem André dá um copo d'água. Para começar, aquele ator faz um trabalho fraco. Mas o maior problema é que não era necessário explicar qual a verdadeira função de não se engolir a água, pois isso já havia ficado entendido antes. Talvez o diretor tenha preferido pecar pelo excesso do que pela falta, mas graças a Deus isso não ocorre tantas vezes.
Um ponto que devo elogiar é a movimentação de câmeras. Eu esperava um filme muito mais tradicional neste quesito, e fiquei feliz com o resultado. Dos exemplos que lembro, o melhor é o que mostra uma descida de
Nosso Lar até o
Umbral, logo no início do filme, estabelecendo uma alusão à posição do céu e do inferno.
Reparei também nas diversas liberdades criativas que foram tomadas em relação ao livro. O personagem Emmanuel, por exemplo, que não faz parte do romance, é bem aproveitado pelo roteiro, e é responsável por estabelecer uma ligação do público com outras obras de Chico Xavier. Para deleite de todos os espíritas, ele até comenta sobre
Há 2000 Anos e sobre o "irmão que está na Terra preparado para receber mensagens dos espíritos" (o próprio Chico, é claro).
E se devo falar de mais uma coisa que me incomodou, talvez seja a rapidez com que André se transforma. Estou acostumado com filmes mais longos, em que a mudança ocorre muito sutilmente, e creio que
Nosso Lar, para esse efeito, tivesse que ter mais cenas (apesar disso, a duração de cerca de 105 minutos é correta -
Nosso Lar não é nem muito curto, nem logo demais).
Também não posso deixar de comentar o ato final, quando André recebe permissão para visitar a Terra. Esta cena foi aumentada em relação à do livro, e isso foi uma decisão que me agradou. Palmas para o estabelecimento do protagonista como uma luminosidade especial em torno de si, que não se confunde com a dos vivos. E muitas palmas para Chica Xavier, que mesmo com uma minúscula aparição, conseguiu me arrancar mais algumas lágrimas dos meus olhos (sim, me emocionei várias vezes durante a projeção, e isso sempre significa que o filme é muito bom).
Como podem reparar, eu prestei muita atenção aos detalhes técnicos do filme, e reconheço vários problemas. Ainda assim, chorei em vários momentos! E eu SINCERAMENTE me senti muito bem após os créditos finais e estou até agora, como se eu tivesse recebido um abençoado sopro reparador de minhas energias. Mas se isso foi mérito do filme ou de espíritos que estavam na sala do cinema amparando o público com suas boas vibrações, isso eu não sei (4 estrelas em 5).