domingo, 29 de agosto de 2010

Lolita

Quando li Lolita (de Vladimir Nabokov) pela primeira vez, quando eu era mais jovem, ficou muito claro para mim: aquele era o meu livro favorito. Uma história trágica, sobre a relação entre um pedófilo e uma menina de 12 anos, mas que tinha uma linguagem inspirada, que fazia tudo parecer extremamente engraçado, foram os elementos responsáveis por eu amar tanto a obra. Além, é claro, de ser uma trama bem movimentada, com elementos de erotismo e suspense.
Pois agora, alguns anos depois, resolvi revisitar a obra para saber se a opinião é a mesma. E é claro que não é.
Calma. Eu continuo achando o livro uma grande obra-prima, e certamente um dos melhores que já li. Mas agora o admiro por motivos diferentes.
Desta vez eu não ri muito com as tiradas sarcásticas de Humbert Humbert, o narrador e protagonista da obra. Elas continuam ácidas ao extremo, mas o que mudou dentro de mim foi a capacidade de encarar a história não apenas pelo ponto de vista dele, mas também pelo das pessoas com as quais ele convivia.
Aliás, hoje percebi que todo o livro é, na verdade, baseado na percepção dele, e só dele. Ou seja, há certamente coisas que ele altera, ou elimina, e conta apenas aquilo que poderia ajudá-lo a se livrar de uma condenação por assassinato.
Toda a história é, portanto, escrita de forma que se PAREÇA um caso de amor desesperado entre um homem com problemas psicológicos (mas não um monstro) e uma birrenta adolescente que se insinua a ele. Mas, se lermos atentamente, veremos que não é nada disso.
Lolita é uma fantasia da mente de um pedófilo que acredita que nunca (ou quase nunca) fez nada de errado. Tudo o que ele "sofre" nas mãos da jovem Dolores é amplificado no livro, ao passo que as suas atitudes deploráveis para com a menina são transformadas em algo leve, como se fossem uma brincadeira.
É difícil, para qualquer mortal, ter alguma reação que não seja ódio para com um adulto que se casa com uma mulher apenas por desejar sua filha de 12 anos, e que após a morte da esposa, seduz a filha (antes mesmo que esta saiba que perdeu a mãe) e a leva para uma vida terrível, onde eles ficam viajando pelos EUA e parando de motel em motel, como se fossem pai e filha, mas na verdade ele fica subornando a criança para que ela se entregue a ele (para não cumprir suas promessas depois de saciado).
Mas o que Humbert Humbert faz é transformar esta verdade em outra, tornando a obra bonita, como se um competente autor ultra-romântico estivesse narrando os fatos.
Literatura erótica por excelência, Lolita funciona como um ótimo estudo de personagens. Sim, porque o erotismo é quando usa-se as descrições dos atos do corpo para se atingir a alma humana (ao contrário da pornografia, que apela para a simples exploração do corpo pelo corpo). E não há trechos lingusiticamente chulos em Lolita, apesar de que se o leitor usar sua imaginação, saberá que o livro é bem safadinho.
Assim, por exemplo, foi com grande pena que agora acompanhei a solidão de Charlote, a ponto de apaixonar-se pelo culto Humbert, quando este era seu inquilino. Mas, mais do que tudo, tive muita compaixão pela Dolores, ou Lolita, como o narrador prefere chamá-la.
Uma menina que, órfã de pai e de mãe, se vê nas mãos de um adulto truculento, insensível e ciumento. Confusa com a vida absurda em que se encontra, ela é obrigada a tomar decisões que acabam a levando cada vez mais para o fundo do poço.
Lolita é, portanto, a história de uma vida trágica: a de Dolores Haze, uma criança que terá uma breve existência marcada por muitas desgraças.
A linguagem de Nabokov é excepcional, deliciosa e envolvente, como seria o papo de um criminoso culto e sedutor que quer ganhar a liberdade. Minha dica, enfim, é ler o romance duvidando do narrador e imaginando como seria a mesma história se fosse narrada pelo ponto de vista de outro personagem.

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