Às vezes fico tentando achar uma razão para eu gostar de tanto de certos filmes. Por exemplo: o que será que me leva a me emocionar com as tramas do diretor argentino Juan Jose Campanella? Pois vou tentar transpor em palavras esta difícil tarefa.
Os filmes em questão são apenas quatro, e cada um deles é surpreendentemente eficaz ao me levar, em segundos, dos risos às lágrimas, surtindo um efeito amenizador no espírito que poucas terapias conseguiriam.
As obras de Campanella, sempre protagonizadas pelo magnífico ator Ricardo Darín, giram em torno de algo de inestimável valor sentimental para o herói, que pode ser algo físico, como um velho restaurante herdado dos pais, ou um antigo clube familiar de bailes. Mas também pode ser algo intangível, como a vontade de se viver como escritor, ou um amor platônico. De qualquer forma, retratam, com beleza poética, o personagem principal com algum forte apego a coisas que não possuem valor material, de tão valiosas que são.
Em O Filho da Noiva, por exemplo, temos Rafael, que por questões financeiras pensa em vender o antigo restaurante que era dos seus pais. Porém, toda sua infância foi passada naquela cozinha e entre aquelas mesas, sentindo todos aqueles aromas de massas, molhos e temperos de comida italiana. Além disso ainda há os funcionários antigos, que já são praticamente parte da família do protagonista, e que representam mais um elo com aqueles tempos bonitos e prósperos da fase de ouro do estabelecimento.
Já para o sonhador Jorge, personagem de O Mesmo Amor, A Mesma Chuva, a dificuldade está em abandonar sua profissão de escritor de contos românticos em uma revista e adequar-se aos novos tempos e realidades, após a abertura política do país.
Em Clube da Lua, Darín encarna Román, um taxista que, em plena crise econômica, se vê, junto com os outros sócios, no dilema de vender ou não o hoje decadente clube de dança, de passado tão glorioso, onde ele próprio nasceu.
E por fim, em O Segredo dos Seus Olhos, Benjamin Espósito é um procurador de justiça que precisou se afastar da mulher que ama, e que era também sua chefe, sem nunca ter lhe confessado o sentimento, apesar dos olhos dela lhe corresponderem este amor.
São tramas sentimentais que resgatam aqueles nossos sonhos do passado que, muitas vezes, foram deixados de lado diante das responsabilidades da vida adulta. E Ricardo Darín é o ator perfeito para essas histórias: quando o vemos com aqueles seus infantis olhos azuis, apresentando o comportamento de uma pessoa fracassada e embrutecida, voltamo-nos para nossa própria vida, perguntando-nos o que aconteceu com aquela criança que já fomos um dia, e que cultivava aqueles sonhos mágicos de outrora.
Seguindo uma perfeita e realista lógica, Campanella não torna as coisas fáceis nos roteiros que escreve, e é por isso que nos identificamos ainda mais com eles. Para os personagens, não é possível largar tudo para o alto, a fim de resgatar aqueles sonhos infantis. A vida adulta tem suas cobranças, e não há como voltar no tempo. A cada ano que passa estamos com nosso corpo mais gasto, e cada atitude que tomamos gera uma consequência. Rafael tem uma filha adolescente, um pai velho e uma mãe com Alzheimer. Jorge precisa continuar a ganhar seu salário agora que ninguém mais quer ler seus contos. Román quer ver o clube brilhar como antigamente, mas há impostos a pagar e reformas a se fazer. E Benjamin ama uma mulher, mas corre o risco de morrer se continuar ao lado dela.
A realidade, cruel como um espelho, bate à porta dos personagens de Campanella da mesma forma que bate à nossa, todos os dias. Apesar disso, a magia e o bom humor nunca deixam de os visitar, mesmo que em doses homeopáticas. Quem nunca riu, mesmo quando esteve passando por uma situação difícil? Quem não possui um amigo que nos anima diante de um grande problema? E quem nunca viu, ante uma tristeza, um velho e desbotado amor recuperar seu brilho?
Pois é essa a graça que vejo nesses filmes. A todo momento me sinto apegado a algum elo de um passado que surge macio e brilhante, em contraste com uma realidade cinza e complicada. Assim como nos filmes do diretor argentino, aquele meu eu-criança pergunta para o meu eu-adulto o que foi que aconteceu para as coisas terem tomado este caminho. E também me pergunta o que é que eu posso fazer agora para melhorar o hoje, se é que posso, já que a vida atual tem tantas responsabilidades e complicações.
Felizmente, os filmes não acabam em um artificial final feliz, e nem de forma negativa. Predomina na conclusão das histórias um equilíbrio, otimista porém realista, agridoce, mostrando que ninguém pode voltar no tempo e mudar alguma parte do passado, mas é possível resgatar aqueles mesmos sonhos e sentimentos, e adaptá-los ao nosso contexto atual. Isto permite a esse eu-adulto (que não voltará a ser aquela criança), resgatar aquela visão infantil para melhorar a vida de hoje.
Campanella diz, portanto, ao seu público:
A vida, em muitos aspectos, pode não parecer tão boa hoje quanto você já achou que ela seria um dia. Temos dificuldades, precisamos de dinheiro, devemos cuidar do nosso corpo que vai ficando cada vez mais frágil, e temos que doar nosso tempo a certos assuntos que nem sempre nos agradam. Além disso, às vezes surgem obstáculos externos dos quais não temos nenhuma culpa, como uma crise financeira e mortes de pessoas queridas. Mas, mesmo assim, temos que continuar olhando com aquele mesmo olhar infantil que já tivemos um dia.
Agir assim não significa que a vida vai ficar como a de um conto de fadas. Mas vai tornar o fardo mais leve, o amor vai continuar tendo uma força indestrutível e os nossos sonhos sempre estarão, de algum modo, se realizando.
Luiz Fernando Riesemberg
Os filmes em questão são apenas quatro, e cada um deles é surpreendentemente eficaz ao me levar, em segundos, dos risos às lágrimas, surtindo um efeito amenizador no espírito que poucas terapias conseguiriam.
As obras de Campanella, sempre protagonizadas pelo magnífico ator Ricardo Darín, giram em torno de algo de inestimável valor sentimental para o herói, que pode ser algo físico, como um velho restaurante herdado dos pais, ou um antigo clube familiar de bailes. Mas também pode ser algo intangível, como a vontade de se viver como escritor, ou um amor platônico. De qualquer forma, retratam, com beleza poética, o personagem principal com algum forte apego a coisas que não possuem valor material, de tão valiosas que são.
Em O Filho da Noiva, por exemplo, temos Rafael, que por questões financeiras pensa em vender o antigo restaurante que era dos seus pais. Porém, toda sua infância foi passada naquela cozinha e entre aquelas mesas, sentindo todos aqueles aromas de massas, molhos e temperos de comida italiana. Além disso ainda há os funcionários antigos, que já são praticamente parte da família do protagonista, e que representam mais um elo com aqueles tempos bonitos e prósperos da fase de ouro do estabelecimento.
Já para o sonhador Jorge, personagem de O Mesmo Amor, A Mesma Chuva, a dificuldade está em abandonar sua profissão de escritor de contos românticos em uma revista e adequar-se aos novos tempos e realidades, após a abertura política do país.
Em Clube da Lua, Darín encarna Román, um taxista que, em plena crise econômica, se vê, junto com os outros sócios, no dilema de vender ou não o hoje decadente clube de dança, de passado tão glorioso, onde ele próprio nasceu.
E por fim, em O Segredo dos Seus Olhos, Benjamin Espósito é um procurador de justiça que precisou se afastar da mulher que ama, e que era também sua chefe, sem nunca ter lhe confessado o sentimento, apesar dos olhos dela lhe corresponderem este amor.
São tramas sentimentais que resgatam aqueles nossos sonhos do passado que, muitas vezes, foram deixados de lado diante das responsabilidades da vida adulta. E Ricardo Darín é o ator perfeito para essas histórias: quando o vemos com aqueles seus infantis olhos azuis, apresentando o comportamento de uma pessoa fracassada e embrutecida, voltamo-nos para nossa própria vida, perguntando-nos o que aconteceu com aquela criança que já fomos um dia, e que cultivava aqueles sonhos mágicos de outrora.
Seguindo uma perfeita e realista lógica, Campanella não torna as coisas fáceis nos roteiros que escreve, e é por isso que nos identificamos ainda mais com eles. Para os personagens, não é possível largar tudo para o alto, a fim de resgatar aqueles sonhos infantis. A vida adulta tem suas cobranças, e não há como voltar no tempo. A cada ano que passa estamos com nosso corpo mais gasto, e cada atitude que tomamos gera uma consequência. Rafael tem uma filha adolescente, um pai velho e uma mãe com Alzheimer. Jorge precisa continuar a ganhar seu salário agora que ninguém mais quer ler seus contos. Román quer ver o clube brilhar como antigamente, mas há impostos a pagar e reformas a se fazer. E Benjamin ama uma mulher, mas corre o risco de morrer se continuar ao lado dela.
A realidade, cruel como um espelho, bate à porta dos personagens de Campanella da mesma forma que bate à nossa, todos os dias. Apesar disso, a magia e o bom humor nunca deixam de os visitar, mesmo que em doses homeopáticas. Quem nunca riu, mesmo quando esteve passando por uma situação difícil? Quem não possui um amigo que nos anima diante de um grande problema? E quem nunca viu, ante uma tristeza, um velho e desbotado amor recuperar seu brilho?
Pois é essa a graça que vejo nesses filmes. A todo momento me sinto apegado a algum elo de um passado que surge macio e brilhante, em contraste com uma realidade cinza e complicada. Assim como nos filmes do diretor argentino, aquele meu eu-criança pergunta para o meu eu-adulto o que foi que aconteceu para as coisas terem tomado este caminho. E também me pergunta o que é que eu posso fazer agora para melhorar o hoje, se é que posso, já que a vida atual tem tantas responsabilidades e complicações.
Felizmente, os filmes não acabam em um artificial final feliz, e nem de forma negativa. Predomina na conclusão das histórias um equilíbrio, otimista porém realista, agridoce, mostrando que ninguém pode voltar no tempo e mudar alguma parte do passado, mas é possível resgatar aqueles mesmos sonhos e sentimentos, e adaptá-los ao nosso contexto atual. Isto permite a esse eu-adulto (que não voltará a ser aquela criança), resgatar aquela visão infantil para melhorar a vida de hoje.
Campanella diz, portanto, ao seu público:
A vida, em muitos aspectos, pode não parecer tão boa hoje quanto você já achou que ela seria um dia. Temos dificuldades, precisamos de dinheiro, devemos cuidar do nosso corpo que vai ficando cada vez mais frágil, e temos que doar nosso tempo a certos assuntos que nem sempre nos agradam. Além disso, às vezes surgem obstáculos externos dos quais não temos nenhuma culpa, como uma crise financeira e mortes de pessoas queridas. Mas, mesmo assim, temos que continuar olhando com aquele mesmo olhar infantil que já tivemos um dia.
Agir assim não significa que a vida vai ficar como a de um conto de fadas. Mas vai tornar o fardo mais leve, o amor vai continuar tendo uma força indestrutível e os nossos sonhos sempre estarão, de algum modo, se realizando.
Luiz Fernando Riesemberg
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