terça-feira, 12 de maio de 2009

Um livro que viajou no tempo para ser meu



Eu sempre quis lê-lo, mas há muito tempo não era publicado no Brasil. Só consegui comprar esse livro através de um sebo virtual que não disponibilizava fotos dos produtos no site. Fiz a compra às cegas, sem ao menos saber de qual editora era ou em que estado se encontrava. Mesmo assim foi um grande lance de sorte encontrá-lo, e não desperdicei a oportunidade. Quando abri a caixa do correio, me deparei com um livrinho pequeno, extremamente antigo (coleção Argonauta, editada nos anos 50 e 60), já amarelado, mas ainda assim em bom estado. Para minha decepção, as páginas estavam coladas, e tive que usar uma régua para poder abri-lo (paguei quase R$ 30,00 por um livrinho velho e com as páginas grudadas. Isso é o que dá!, pensei). Tive vontade de reclamar no site da loja, mas imaginei que era uma peça rara, e por isso é que venderam daquele jeito e com um preço relativamente salgado.

Mas uma surpresa me aguardava: logo na contra-capa havia um aviso, dizendo o seguinte: NO SEU PRÓPRIO INTERESSE, PREZADO LEITOR, VERIFIQUE SE ESTE LIVRO MANTÉM O LACRE BRANCO QUE SELA ALGUMAS DE SUAS PÁGINAS; NESTE CASO, ABRA-O, POR FAVOR, COMO ABRIRIA UM LIVRO NÃO GUILHOTINADO, ISTO É, COM UMA FACA, ATÉ COM UM SIMPLES CARTÃO, E ASSIM NÃO RASGARÁ AS FOLHAS. SE O LIVRO ESTIVER TODO ABERTO, REJEITE-O, POIS É INDÍCIO DE QUE JÁ FOI LIDO. DEFENDA SUA SAÚDE NÃO MANUSEANDO LIVROS USADOS.

Percebi que essa edição do livro estava destinada a ser somente minha, e ficou uns cinquenta anos sem ser lida, sem ser ao menos aberta por ninguém desde impressa, esperando que minhas mãos fossem as primeiras a tocar e meus olhos os primeiros a ler aquelas páginas já amarelas, mas cheias de fantasia e mágica, capazes de me transformar em uma criança novamente.

Cidade Fantástica é sobre o verão de 1928 na vida de um menino de 12 anos. Suas descobertas sobre a vida e a morte tornaram essa leitura uma das minhas melhores experiências de todos os tempos. O título nacional do livro veio bem a calhar, porque aqui em terras tupiniquins pouca gente conhece o vinho de dente-de-leão, do título original, e também porque Bradbury descreve apaixonadamente pequenas coisas da vida, elevando-as ao patamar do fantástico.

Alguns até classificam o romance de ficção científica, apesar de se passar em uma cidadezinha americana qualquer dos anos 20, sem nenhum acontecimento extraordinário para os padrões adultos. O olhar infantil do autor sobre a vida é que remete as páginas do livro aos contos fantásticos. É sobre um verão de maçãs verdes, gramas cortadas e tênis novos. De fogos de artifício, de dentes-de-leão e da barriga da vovó esquentando no fogão. É sobre um verão de tristezas e maravilhas e abelhas douradas. Um mágico verão na vida de um menino chamado Douglas Spaulding. O leitor se sente rodeado pelo ar quente, pelos cheiros florais e pela brisa noturna durante a leitura.

Já li Dandelion Wine, ou Cidade Fantástica, duas vezes e pretendo repetir a experiência em todos os verões. E de jeito nenhum empresto para alguém!

5 comentários:

  1. Sim, há um fio invisível que liga todos nós, que sentimos no ar o perfume da infância, o olhar virgem sobre as coisas mais simples, mais singelas que existem à nossa volta. Talvez seja uma desritmia, uma necessidade de parar e deixar o mundo passar em slowmotion, apreciando os detalhes de cheiros, de temperaturas, de texturas e cores que no dia a dia corrido atropelamos sem perceber. Nessas horas trocamos olhares significativos com outras criaturas que sentem o mesmo... Parabéns pelo lindo texto.

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  2. Este livro foi editado no Brasil com o título de O Vinho da Alegria, pela editora Best Seller. O garoto Douglas Spaulding, personagem central, aparece também em vários outros contos de Bradbury, inclusive como adulto, retornando a Green Town para assassinar seu melhor amigo de infância.
    Não sei se a coleção Argonauta, da editora portuguesa Livros do Brasil, ainda existe, mas até pouco tempo seguia, inclusive publicando obras de Bradbury recentes e inéditas no Brasil. O número 509, de janeiro de 2000 é Conduzindo às Cegas, tradução de Driving Blind.

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  3. Bonita história meu nobre, tive algo parecido com Frutos Dourados do Sol.

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  4. Valeu, gente! E eu esqueci de comentar sobre ser a edição portuguesa. Ou seja, além de viajar no tempo, cruzou o Atlântico para ser meu! Abraços!

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  5. Incrível mesmo a coincidência com o livro do meu conto! Seria ainda mais legal se fosse um livro interativo antigo. Você poderia ler com as páginas coladas e teria uma história. Ao descolar, outra história poderia ser formada. Eu estou escrevendo um conto com mensagens subliminares. Em uns dois ou três dias devo colocar no meu blog. Se puder, dê uma passada por lá!

    Abçs

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