quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Entrevista: Felipe M. Guerra

Ele ficou famoso em todo o país ao ser tema de uma matéria no Caldeirão do Huck sobre seus filmes de terror caseiros. Ele possui uma coleção de milhares de produções de cinema bagaceiras em dvd e vhs. Ele já dirigiu um sangrento longa-metragem chamado Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado usando apenas R$ 250,00. E ele acaba de lançar seu mais novo trabalho: o curta de terror Extrema Unção, com um orçamento de R$ 40,00.

Eis uma entrevista exclusiva que o blog Grafias Noturnas fez com o cineasta gaúcho Felipe M. Guerra.

O quanto você acha que amadureceu como cineasta desde que lançou seu primeiro sucesso, "Entrei em Pânico.."?

Olha, gostaria que vocês que viram o filme me respondessem isso.
Na verdade, tenho que confessar que nos tempos de "Entrei em Pânico..." eu não tinha muita noção do que estava fazendo. Não havia direção de atores, nem planejamento de cena. Os movimentos de câmera eram feitos sem muito critério, às vezes deixava coisas importantes fora do quadro... E aliás, eu mexia MUITO a câmera! Sem contar que muitas cenas foram gravadas uma única vez, então se ficava ruim depois eu não tinha opções na hora de editar.
Acho que agora eu finalmente compreendo um pouco melhor a linguagem cinematográfica. Tenho plena consciência de que ainda há bastante para aprender, e continuo sendo teimoso de não usar iluminação profissional ou microfone, por exemplo. Mas acho que na questão da narrativa, pelo menos, eu aprendi muita coisa de 2001 para cá, e isso pode ser considerado um amadurecimento. Bem, também só faltava eu não aprender nada em 10 anos, né?

Extrema Unção é uma produção mais séria se comparada com seus filmes anteriores. Por que optou por essa linha?

Porque todo mundo vivia dizendo que eu devia tentar fazer um filme sério, ao invés de algo avacalhado/satírico como as minhas produções anteriores. Eu sempre fui muito cético em relação a fazer filme de horror sério com os poucos recursos de que disponho. Mesmo assim, como comprei uma câmera nova (migrando do VHS para a mini-DV), e queria testá-la, resolvi filmar essa historinha de fantasmas simples, sem efeitos especiais ou cenas muito complicadas, só para ver se seria possível fazer algo "sério".
No momento das filmagens, a gente ainda ria e brincava muito, e eu pensei que era uma missão fracassada. Mas no momento da edição, quando comecei a testar músicas e efeitos sonoros, percebi que aquilo realmente estava mais sério do que todos os meus outros filmes. Aí foi só tirar alguns momentos mais engraçadinhos (a cena da dentadura, por exemplo, eu quase eliminei também), e ficou o que ficou.
Me surpreendeu a reação de algumas pessoas a EXTREMA UNÇÃO. É óbvio que quem já é fanático por horror não vai achar nada além de uma historinha comum, mas muitas pessoas que viram realmente se assustaram com aquilo.
Na primeira exibição no CineFantasy, aqui em São Paulo, por exemplo, aconteceu algo que me deixou muito orgulhoso: sem dizer que eu era o diretor, pedi a uma garota o que ela tinha achado do filme, na saída da sessão. Ela respondeu: "Não sei se isso é bom, mas não consegui ver o final, fiquei com os olhos fechados o tempo inteiro, de medo!". E olha que o final é apenas a minha avó caminhando e gemendo, jamais achei que alguém ficaria com medo disso!!!

Você costuma homenagear os seus filmes e diretores favoritos em suas próprias produções. Quais cineastas e filmes serviram de influência para Extrema Unção?

A maior influência para "Extrema Unção" foi o cinema de horror oriental, que eu, pessoalmente, gosto muito. Essa coisa de o fantasma poder aparecer em qualquer lugar e a qualquer hora sem muitas explicações, e de não ter efeitos especiais nem maquiagens elaboradas, apenas um clima sinistro. Inclusive tem uma cena do curta que é uma homenagem ao filme tailandês "Shutter" (no Brasil, "Espíritos - A Morte Está ao Seu Lado"), quando a fantasma puxa o cobertor do rapaz enquanto ele está na cama.

Normalmente seus filmes são feitos com poucos recursos. Qual foi seu orçamento em Extrema Unção?

Ninguém acredita quando eu digo que o curta custou apenas 40 reais. Mas, como eu falei anteriormente, "Extrema Unção" foi concebido como um teste de câmera, então se ficasse ruim eu não queria ter a perda de muito dinheiro na consciência. Até porque sabia que com um curta-metragem você não tem nenhum retorno financeiro, não pode lançar em DVD para vender. A carreira de um curta fica restrita aos festivais, e mesmo assim somente àqueles que te selecionam, e mais cedo ou mais tarde você vai ter que jogar ele no YouTube para o pessoal ver de graça.
Esse "orçamento" de 40 reais foi gasto apenas na compra das fitas para a gravação. Todo o resto foi obtido de graça: os atores são familiares ou amigos que não pediram cachê e usam suas próprias roupas, o cenário é a casa da minha avó, e tudo que se vê nas cenas já existia por lá, e não tive nem o custo do transporte, já que o "cenário" fica bem pertinho da minha casa.
A idéia sempre foi fazer uma coisa de baixo orçamento, que sugerisse mais do que mostrasse, como os filmes de horror de antigamente. Mas é claro que se eu tivesse mais dinheiro e recursos faria algumas cenas diferentes. O final, por exemplo, (SPOILER) mostraria meu irmão deitado dentro da cova aberta e sendo abraçado pelo cadáver da velha dentro do caixão (FIM DO SPOILER). Uma amiga aqui de São Paulo, a também cineasta Fabiana Servilha, me deu uma idéia genial, de que a cada cena a fantasma aparecesse num estágio diferente de decomposição, como em "Um Lobisomem Americano em Londres". Enfim, eu sei que teria muito a melhorar, mas o objetivo inicial era filmar sem dinheiro e sem frescura. Se alguém quiser refilmar "Extrema Unção" com grana, fique à vontade!
E a minha maior satisfação foi participar do CineFantasy com esse curta de 40 reais, principalmente porque eu sei que muita gente ironizou a "indigência" da minha produção, mas no fim o público gostou mais do que de outros curtas "milionários" que participaram do festival.
Inclusive os jurados gostaram bastante, e indicaram "Extrema Unção" para uma menção honrosa especial: "Melhor Susto de Velhinha Fantasma"!

Como você convenceu o elenco a participar do curta?

Foi fácil: esse pessoal com quem eu trabalho em Carlos Barbosa adora atuar. Ninguém tem formação em artes cênicas e ninguém nunca trabalhou nessa área sem contar os meus filmes, mas todos são extremamente solícitos e ficam muito animados quando eu os convido para um novo trabalho.
Meu irmão Rodrigo, que faz o papel principal, é o meu ator preferido. Eu o coloco nos meus filmes, apronto todas com ele e o coitado nem se importa; pelo contrário, dá o melhor de si. Meu amigo Leandro Facchini, que no filme interpreta o corretor de imóveis, é outro que gosta tanto do mundo do cinema que topa qualquer parada. Inclusive ele filmou todas as suas cenas na correria, horas antes de uma viagem aérea, e nunca reclamou de nada.
Mesmo a minha avó ficou acordada até meia-noite gritando e gemendo sem nenhuma queixa, pois ela adora interpretar. Se eu fizesse um filme por semana, ela com certeza se ofereceria para participar de todos eles. Só me pediu mesmo para parar de fazer filmes de horror, porque ela não gosta. Mas topou ser fantasma numa boa!

Acima, Leandro Facchini e Rodrigo Guerra contracenando em Extrema Unção

Quanto tempo levou para ser produzido, onde foi filmado, e qual o clima geral da equipe durante a filmagem?

"Extrema Unção" foi filmado em apenas dois dias, de tarde e à noite. Num dia fizemos as cenas com Rodrigo e Leandro; no outro, todas as cenas com meu irmão e a minha avó.
O interessante é que o curta, como teste de câmera que originalmente era, não tinha roteiro. Eu apenas escrevi o argumento básico para saber o que aconteceria e onde ficavam os sustos, mas os diálogos eu inventava na hora e pedia para os atores improvisarem (só as falas da fantasma, no final, foram escritas previamente). É por isso que tem alguns casos de redundância no começo, quando o corretor de imóveis repete diversas vezes a mesma coisa (tipo "Ela morreu e não tinha parentes, então ficou tudo aqui").
As filmagens foram na casa da minha avó, que realmente é daquele jeito, cheia de coisas religiosas (então acho que ela merece também o crédito pela direção de arte, que você elogiou na resenha), e no cemitério da cidade de Carlos Barbosa. Muita gente em São Paulo perguntou como eu tinha conseguido autorização para filmar no cemitério, e não acreditam quando eu disse que simplesmente entrei e filmei!
E o clima geral da equipe era de brincadeira e gozação, como acontece em todos os meus outros filmes. Fico até surpreso com o fato de o curta ter ficado um pouquinho mais sério, pois era tanta piada e avacalhação durante as filmagens que não tinha como acabar sério.
Minha avó, por exemplo, só ficava de cara fechada quando tinha que interpretar a fantasma. Mas era desligar a câmera para ela cair na gargalhada. E meu irmão e o Leandro filmando juntos é o pesadelo de todo diretor, pois eles raramente conseguem concluir um diálogo sem cair na gargalhada.
Enfim, foi tudo muito divertido e praticamente não deu trabalho, pois não envolvia efeitos especiais, maquiagem ou um grande número de participantes e figurantes, como nos meus outros filmes. Provavelmente esta foi a filmagem mais tranquila que eu já fiz.

O que você pode adiantar sobre a continuação de Entrei em Pânico...?

Bem, este é um projeto que já roubou três anos da minha vida e, se tudo der certo, será lançado oficialmente em julho de 2011, no Fantaspoa - Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Acredito que está ficando bem divertido, mas claro que quem vai julgar isso é o público!
Tudo é maior no filme em relação ao original: temos mortes mais elaboradas, muito mais atores e personagens e diversas cenas complicadas. Afinal, o Rodrigo Aragão e seu excelente "Mangue Negro" elevaram o patamar das produções independentes, e agora todo mundo quer ver filmes mais caprichados e menos caseiros.
O primeiro filme se passava num único cenário (a minha casa), para economizar e não dar trabalho, mas agora tem diversas cenas externas e cenários, muito sangue e maquiagens elaboradas, tanto que foi preciso contratar um maquiador profissional, o gaúcho Ricardo Ghiorzi (que trabalhou no filme de zumbis "Porto dos Mortos"), para ajudar.
Já gastei mais de mil reais no filme. É uma mixaria perto de qualquer outra produção independente, mas é o maior orçamento que já torrei numa produção minha, ainda mais considerando que o original custou apenas 250 reais!
O roteiro traz várias citações ao original, inclusive personagens do primeiro filme estão de volta, mas não acho que seja necessário assistir a "Entrei em Pânico 1" para entender o segundo. Afinal, é uma brincadeira com os slasher movies, e funciona de qualquer jeito.
Também tentei levar a produção mais a sério do que o original de 2001. Mas é uma comédia, é para ser engraçado. E prometo que será mais curto e menos chato que o primeiro filme, do qual eu não gosto muito.

Existem outros projetos em andamento?

Mais projetos do que tempo para filmá-los, como sempre.
Estou tentando convencer o glorioso Petter Baiestorf a produzir um sexploitation que seria escrito e dirigido por mim, algo no estilo "estupro e vingança". E tenho outros projetos secretos engatilhados que poderão ter a participação de alguns diretores conhecidos da cena independente brasileira.
Aqui em São Paulo, ainda este ano, devo filmar um curta de horror em parceria com um grupo de estudantes de cinema muito animados, e tem cara de que vai ficar bem legal.
Falando dos meus próprios projetos bagaceiros, ainda espero tirar do papel algum dia a minha homenagem ao western spaghetti, "Deus os Cria, Eu os Mato", que precisa de um orçamento decente para ser feito por causa da reconstituição de época (a história se passa no início da imigração italiana no Rio Grande do Sul).
Depois de "Entrei em Pânico 2", tenho dois roteiros mais simples para filmar: uma comédia que homenageia a produção de cinema independente (e que eu queria ter filmado ANTES do "Entrei em Pânico 2", mas ficou na gaveta) e uma comédia romântica sobre um rapaz apaixonado que percorre as praias do litoral gaúcho atrás de uma menina que conheceu pela internet, algo na linha "sentimental + baboseira" do "Canibais & Solidão".
E tenho muitas outras idéias que provavelmente nunca terei tempo para filmar. Creio que podia viver só escrevendo roteiros para os outros, se isso desse dinheiro aqui no Brasil.

Neste ano você se mudou de uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul e foi para São Paulo. O que esta mudança influencia no Felipe cineasta?

Influencia bastante. Aqui se tem um contato maior com pessoas que fazem cinema "de verdade", e que contribuem com sua experiência e seus palpites. Conheci muita gente do cinema independente e também alguns que já trabalharam em projetos comerciais, todos falam com bastante entusiasmo e trocamos idéias de igual para igual, algo que acho muito legal. Ainda não me animei a fazer um filme meu aqui em São Paulo, talvez por ainda não ter muito conhecimento da cultura e da rotina da cidade, e pelos problemas todos que isso envolve - já percebi que aqui não é só chegar nos locais com uma câmera e filmar, como eu faço em Carlos Barbosa. Mas sempre me coloco à disposição para ajudar o pessoal que faz cinema aqui, inclusive fui ator (canastrão, claro) no curta trash de um colega de faculdade, que deve ser lançado ano que vem, interpretando um enfermeiro (gaúcho, é claro) que é esquartejado por um assassino serial em sua fuga do manicômio.

Felipe, o blog Grafias Noturnas agradece imensamente a entrevista e te deixa à vontade para tecer qualquer comentário ou acrescentar algo.

Agradeço a curiosidade e a valorização, sua e de muita gente, pelo meu trabalho e pelo cinema independente em geral. É ótimo saber que ainda tem muita gente que entende a proposta (filmes feitos sem dinheiro, por pura paixão pelo cinema), ao invés de ficar fazendo piadinhas e criticando só por criticar. A verdade é que a situação do cineasta independente está cada vez pior, por não conseguir retorno financeiro para continuar produzindo de forma independente, já que todo mundo quer ver os filmes de graça pela internet. Mas eu continuo um idealista, e enquanto me sobrar uma graninha todo mês, vou continuar fazendo esses filmes que tanto me divertem - e, espero, também divertem aos outros. Afinal, acho que já provei que não é preciso mais do que 40 reais para fazer um filminho razoável.

Para ler a crítica de Extrema Unção no blog Grafias Noturnas, clique aqui.

Assista Extrema Unção no Youtube:
PARTE 1
http://www.youtube.com/watch?v=2id068XFmsY
PARTE 2
http://www.youtube.com/watch?v=UGiFLt6Y2f0


Nenhum comentário:

Postar um comentário