sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dicas aos novos escritores


Volta e meia, em entrevistas, me pedem para dar dicas aos novos escritores, ou àqueles que desejam um dia seguir esta carreira. Mas não sei se sou um bom escritor para dar dicas. Desde que comecei a escrever, e principalmente depois que lancei Grafias Noturnas, tenho ouvido muitos elogios, o que me faz acreditar que estou no caminho certo. Porém, há um mar de brasileiros, na maioria homens da minha faixa etária, batalhando para obter reconhecimento na literatura.

Veja só: 2009 foi o ano das antologias. Até perdi a conta de quantas foram lançadas, cada uma com contos de pelo menos trinta autores amadores ou semi-profissionais. Mas o que poderia ser algo ótimo para todos, acaba na maioria das vezes sendo um vexame. São raros os casos em que leio algo realmente de qualidade nessas coletâneas, que são irregulares por natureza, sempre trazendo um conto apenas correto entre dois ruins e três péssimos. Mas, com tantos lançamentos, podemos tirar algumas conclusões interessantes a respeito desta nova geração de “escritores”.

Para começar, qual o perfil destes escribas? Pelo que noto, há uma infinidade de profissões se arriscando à arte de contar histórias: médicos, advogados, engenheiros, técnicos em informática... a lista é longa. E quando me deparo com um contraste desses, do tipo “profissional da área de Exatas na área literária”, me pego a me perguntar: quando é que começou esse sonho de se tornar escritor? Terá sido depois de anos em um trabalho de outra área, ou já era uma vontade que estava presente lá na infância, e o sujeito foi escondendo, camuflando, de um jeito que ninguém percebeu?

Não acredito que alguém tenha desejado a vida inteira ser biólogo, por exemplo, e no alto de seus trinta e cinco anos de idade, sem mais nem menos, pensa: “Quero escrever histórias de terror!”. Portanto, a minha ideia é de que houve alguma coisa na história dessa criança que a fez desistir de acreditar no sonho de escrever. Cada um tem a sua vida e vai alegar algum motivo diferente, mas o problema que eu, pessoalmente, enfrentei, foi a timidez.

A vontade de ser um escritor profissional vinha desde os 12 anos de idade, no máximo. Mas como é que eu contaria isso para alguém? Iriam rir. Pediriam para ler algo que eu tivesse escrito. E de fato, naquele tempo eu escrevia realmente mal: em primeiro lugar porque não tinha a técnica, e em segundo (mas não menos importante) porque me faltava experiência de leitura e, principalmente, de vida. Mas nunca deixei de alimentar esse sonho, mesmo em segredo. Tanto que ingressei, aos 17 anos, na faculdade de Jornalismo, só porque era um curso que poderia agradar tanto aos que estavam à minha volta como a mim mesmo: afinal, é uma profissão em que é necessário escrever.

Com o diploma debaixo do braço (e um pouco chateado porque o estilo de escrita literário foi pouco desenvolvido durante o curso), logo emendei meus estudos com a faculdade de Letras. Mas deixei bem claro para mim mesmo: não queria ser professor! Desejava apenas aprimorar meus conhecimentos na escrita, ler novos escritores, analisar os clássicos e conviver em um ambiente no qual houvesse apenas pessoas voltadas diretamente para Literatura. Aí sim, a coisa começou a andar.

Como eu fazia Letras por amor, e sabendo que aquilo ia me ajudar muito na realização do meu sonho, acabei sendo um dos melhores alunos da classe. Talvez minhas notas em Linguística, em Pedagogia ou em Metodologia de Ensino não fossem as melhores, mas quando se tratava de Literatura, não tinha para mais ninguém em termos de interesse e empolgação. Eu chegava a ser chato, grudando em professores para que me indicassem livros legais, e insistentemente conversando com eles sobre a arte da escrita. Foi nessa época que, finalmente, me senti apto a escrever: depois de mais de 10 anos sonhando em ser escritor e me preparando para o ofício.

Começar a escrever foi só um passo, pois eu ainda tinha dúvidas se possuía mesmo talento. Então decidi escrever um conto, bem curtinho, de oito páginas, e enviei para um concurso. Ganhei Menção Honrosa, disputando com seiscentos concorrentes do Brasil e de outros países, e isso me motivou a escrever um segundo. Nesta segunda tentativa fiquei com o 1º lugar. De lá para cá ganhei mais algumas menções honrosas e alguns primeiros lugares, e lancei um livro com 21 trabalhos, que está sendo elogiado por quem o tem lido, mas que eu sinto que ainda está muito aquém da obra que nasci para entregar ao mundo.

Sendo jornalista, eu nunca deixo de escrever: nem que eu não esteja com vontade, esse é o meu trabalho diário — o que é muito útil para eu ir constantemente aperfeiçoando a técnica. Mas talvez se eu tivesse falado para os adultos, desde os meus 12 anos, que meu sonho era mesmo ser escritor, eles teriam me ajudado mais. Talvez me incentivassem a escrever, mesmo que eu não mostrasse a eles. E caso eu mostrasse meus textos, e eles não gostassem, é certo que teriam me dado dicas e hoje eu teria muito mais experiência e confiança do que tenho demonstrado.

Ser escritor é um grande sonho, como dá para perceber. O autor não deve apenas querer ser reconhecido pelos leitores ou pela crítica: deve querer ter a certeza de que deixará alguma obra que fará bem à humanidade, seja emocionando, seja alertando, seja aconselhando quem vier a conhecê-la. E me incomoda ver tanta gente de outras áreas se arriscando a escrever, sem ter certeza do objetivo por trás disso, e sem ter se preparado o suficiente. Não é medo da concorrência, nem orgulho: é a constatação de uma coisa, que não tenho certeza do que é.

Há duas opções que se apresentam: a primeira é a de que essas pessoas estão apenas aproveitando uma onda de sucessos monstruosos e acreditam que podem se dar bem, lançando um improvável best-seller. A segunda, e mais crível, é a de que elas já tinham desde cedo o sonho de ser escritores, como eu, e seguiram uma carreira totalmente diferente, ao invés de tentar fazer o sonho acontecer. Eu lamento observar que, de uma forma ou de outra, essas “contribuições” que tais aspirantes a autores estão dando à literatura nessas antologias não são boas.

Conheço muita gente que diz que não gosta de ler, mas quando pergunto qual foi a última coisa que ela leu, fico sabendo que foi algum conto medieval, cuja ambientação é na Inglaterra, no tempo das cruzadas, escrito por um empresário de São João da Itapeteninga, que nunca visitou o exterior, nunca leu os clássicos e, aos 50 anos de idade, resolveu começar a escrever. Como é que algo assim pode ser bom?

A Literatura é uma arte que exige muita dedicação e tempo, além de respeito. Às vezes um livro precisa de décadas para ser escrito. A maioria dos clássicos levou muitos anos para ser concluída, ou então o autor já tinha dedicado toda a sua vida a escrever, e de repente teve um lampejo de inspiração que o fez terminar um romance em poucos dias (como é o caso de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, por exemplo, escrito em duas semanas, na prisão).

Para ser mais específico, gostaria de abrir parênteses sobre a literatura fantástica.

Basta olhar as listas de livros mais vendidos: só há obras sobre vampiros, bruxos e espíritos. Qualquer um que queira ganhar rios de dinheiro, pensa: “Vou escrever sobre terror, e fico rico!”. O negócio é que este gênero é um dos mais traiçoeiros. Pegue, por exemplo, a antologia Caminhos do Medo, da editora Andross. Quando o organizador disse que procurava contos de terror, e alertou que aqueles que não se enquadrassem no gênero seriam negados, houve muitos candidatos que se viram na obrigação de criar algo bem tenebroso, com mortes violentas, cenas fúnebres e linguagem copiada de Edgar Allan Poe, com citação a poetas românticos ingleses, nomes de personagens estrangeiros e ambientação em terras internacionais, em um estilo que vou chamar de “terror negro”.

Cara, isso é muito chato! Por que não se pode tentar fazer um terror mais colorido, mais atual e mais brasileiro? O Stephen King faz muito sucesso, e sobre o que ele escreve? Sobre adolescentes, compatriotas seus, que fazem piadinhas sobre os programas de televisão, gostam de Ramones, torcem para o Red Sox e comem sardinha enlatada de marcas específicas. É aí que está o terror dos dias de hoje! O que passou, passou. Poe e Lovecraft já são passado. É claro que me interesso pela obra deles, mas o que estou tentando explicar é que, se for para ler uma história de “terror negro”, vou atrás deles, e só. Não vou me arriscar a ler o livro de um brasileiro, que nunca escreveu nada na vida e até então vinha dedicando seus anos a uma profissão bem diferente do ofício de escritor.

Não pense que estou ficando velho e ranzinza. Muito pelo contrário: aprendi que devemos ser sempre como as crianças, e acreditar em nossos sonhos. Também não quero tirar a alegria de quem decidiu, depois de adulto, começar a escrever. Só quero fazer este alerta: se tiver um desejo, não espere chegar a hora de realizá-lo. Corra atrás agora mesmo. E se esse sonho for escrever, então escreva! Escreva desde criança! Caso você já tenha uma certa idade, escreva assim mesmo. Mas saiba que o caminho será muito mais difícil. É esse o motivo dessas antologias serem tão fracas, já que seus participantes não são exatamente pessoas que escrevem há 20, 30 anos.

Nunca foi minha intenção desdenhar do sonho de alguém. Ainda mais se esse sonho for o mesmo que o meu. Mas não consigo ler o conto de algum amigo e, só pelo fato de ser amigo, eu comentar: “Puxa, ficou ótimo! Parabéns!”, mesmo reconhecendo que está ruim. Quando vejo certas pessoas fazendo elogios rasgados a esses livros, só posso concluir duas coisas: ou ela não está sendo sincera, ou tem pouca bagagem cultural e é incapaz de reconhecer que aquilo perde feio para a obra de autores de verdade.

Os últimos escritores que me fizeram vibrar com seu trabalho foram Ray Bradbury, Roald Dahl e Horacio Quiroga. Mas eu vibrei para valer! Daria tudo para algum dia estar diante deles, falando que eles conseguiram mudar a minha vida, e que eu queria apenas um pinguinho da genialidade deles. Já os escritores brasileiros da geração "antologias de contos da década de 2000", na melhor das hipóteses, apenas me fizeram constatar que precisam melhorar muito.

E sem mais, agora posso finalmente dar as minhas dicas aos “novos escritores”:

1) Não espere ser bom antes de, no mínimo, quinze anos de prática;
2) Curse uma boa faculdade de Letras. Depois de quatro ou cinco anos neste ambiente, você notará a diferença;
3) Saiba aceitar as críticas e faça bom uso delas;
4) Procure ler os clássicos e descobrir autores que não são considerados clássicos, mas que te façam vibrar;
5) Não seja tímido e mostre seus escritos para o maior número de pessoas;
6) Leia ainda mais;
7) Estude a teoria e a história da Literatura;
8) Tenha sempre algo a dizer quando estiver escrevendo. Histórias que só servem para entreter, na verdade não servem para nada;
9) Não tenha medo de escrever sobre você mesmo;
10) Seja curioso a respeito de todos os assuntos do mundo;
11) E saiba viver a vida. Só assim para saber dar vida a seus personagens.

9 comentários:

  1. Há ótimos escritores que nunca frequentaram uma universidade, assim como há milhões de formados em Letras que nunca dariam bons escritores. Mas se realmente houver no sangue esse talento para a escrita, como você disse, a faculdade de Letras é apenas uma das opções para ajudar a desenvolver esse dom. Ou você acha que basta nascer com o talento para já sair escrevendo clássicos da literatura? Todos os escritores que criaram grandes obras não fizeram isso apenas porque nasceram com um dom: eles trabalharam muito, leram muito, deram sangue e lágrimas por isso, colocaram esse objetivo como primordial em suas vidas, às vezes até esquecendo de cuidar da própria saúde e da própria família para se dedicar ao seu talento. A minha crítica é àqueles que nunca demonstraram muito amor aos livros, nem às bibliotecas, nunca escreveram para eles próprios, e de repente se acham aptos a saírem publicando. Esses, por mais que tenham talento, vão precisar lapidar muito a pedra até que se revelem diamantes. E todas essas antologias com as quais eu tive contato apenas me comprovaram isso. Me desculpe se ofendi com minhas palavras. Um abraço!

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  2. Ah, bom. É que há muitos autores que participam dessas antologias, que podem ficar chateados com minha opinião. Mas que bom que você a compartilha comigo. Abração!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Oi, Cláudia. Não foi minha intenção escrever nada polêmico, e muito menos desanimador. Foi apenas um desabafo de alguém que está há anos tentando, e que mesmo assim sente que tem muito a aprender (muito mesmo). Bjão!

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  5. Nossa dá para ler mesmo eu tendo apagado, que estranho e errado.

    Não falei desanimador a sério - na questão de desanimar a escrever, se escrever fosse algo que quisesse fazer a sério, não seria outra pessoa que ia me impedir. Fora que eu respeito a opinião alheia, mesmo quando não concordo, e entendo o ponto de vista de um escritor (você) quando qualquer um resolve escrever só por que acha que vai ficar rico e famoso fazendo isso, como se fosse o mesmo que fazer um bolo - claro que tem autor que acha que escrever é que nem receita, muda os nomes e deu.

    até ... bjuss

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  6. O comentário vai para o e-mail e não sai de lá. Me desculpe por ter respondido algo que vc já havia desconsiderado postar, mas é que não quero que vc fique com uma impressão ruim, tá bem? Bj!

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  7. Acabar com ilusões, sim. Mas com sonhos, nunca. A pessoa que sonha não encontra barreiras. Eu, por exemplo, sonho em um dia ser considerado um grande escritor, e nada vai me fazer parar de tentar. Mas o sujeito que acha que vai escrever um pouco e, dentro de alguns dias, já vai estar com um livro de sucesso nas livrarias, isto é ilusão. Como já dissemos, para se obter um mínimo de reconhecimento é preciso dar muito sangue, suor e lágrimas, durante muito tempo. Se você achar que não é capaz disso, então nem se iluda.
    Abraço!

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  8. Grato pelas dicas. Como dizia Aristóteles, "A excelência é um habito". Então canetas à obra. Apenas não concordo com essa da faculdade de letras (paradigma), no mais estou de acordo.
    Feliz 2010!
    Marketing para Escritores
    Primeiros Passos
    Autor: Orácio Felipe
    Descrição :
    Um livro é um produto e como tal deve ser planejado. A menos que o autor pretenda tratar a arte pela arte,ele deve dedicar alguns momentos a uma atividade típica de empreendedores: o Marketing. Mas Marketing não é apenas propaganda e divulgação, inclui trabalhar outras variáveis, como o preço e principalmente definir o "mercado alvo" ou seja, quem serão seus leitores-clientes. Essa pequena introdução ao marketing para escritores visa orientá-los numa metodologia que pode conduzir ao sucesso em vendas. Trata-se de um primeiro passo rumo à conjugação da arte com o empreendedorismo.

    www.clubedosautores.com.br

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  9. Esta parte da faculdade de Letras é a mais polêmica do meu texto, principalmente entre aqueles que não a cursaram e não têm esse objetivo. Porém, eu garanto que ela é bastante útil, sim. Não só pelo conhecimento enciclopédico que ela proporciona a respeito da Literatura, como pela sugestão do paideuma que o escritor seguirá, e pela oportunidade de se estar entre muita gente entendida no assunto, como doutores e mestres que conhecem tudo sobre determinado autor ou gênero, além de muitas outras vantagens. Quem quer ser escritor e cursa a faculdade garante que é algo que melhora muito as suas chances de se tornar bom no ofício da escrita. Não é uma regra, é claro, mas uma ótima ferramenta.

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